21 de fevereiro de 2015




                           AMIGOS ATÉ O FIM

Morreu... Morreu o Hermenegildo! Não estava doente realmente, ninguém o viu ir ao médico. Ainda novo, poderíamos dizer... Tinha seus cinquenta e tantos... Um pouco mais talvez. Seus cabelos  já começavam a embranquecer, sua tez um pouco sulcada, olhos vivos, azuis como a esmeralda. Tinha descendência europeia com certeza. De súbito o encontraram caído no corredor de sua casa. Já não respirava, estava impávido, parecia receber a morte com naturalidade, algo esperado. 
Tinha muitos amigos e amigas... Uns três mil, trezentos e oitenta e seis; estava no seu "Face". Isso demonstrava uma figura muito querida, pelo menos virtualmente, pelas redes sociais. 
De uma pessoa tão conhecida, espera-se um funeral pomposo, muitas lamentações, choros femininos, choros dos amigos, daqueles que trocaram alegrias e tristezas, sofriam de certa forma, quando ele sofria!... Puro engano!...
Os vizinhos, aqueles que raramente o contatavam, chamaram o serviço funerário, pois havia ele deixado um aviso: "Me sepultem simples, com roupas leves, descalço, se possível só um manto branco que deixei no meu guarda roupa, um terço comum que está no criado mudo. O dinheiro está na gaveta da escrivaninha, vai sobrar! O que restar distribua aos pobres e mendigos de rua, só!..."
Como de costume é preciso que seja velado, pelo menos doze horas após o último suspiro. Estava lá... No velório municipal... Só ele naquele dia, o Hermenegildo, sozinho, sem ninguém para velá-lo... Estranho, pois tem mais de três mil amigos e ninguém compareceu. 
Desculpe-me... Veio um mendigo de rua, estava meio alto, não bêbado, se achegou, tirou o chapéu, ajoelhou-se, fez uma oração, tomou um gole de café que o próprio velório oferece, benzeu-se com sinal da cruz, saiu lentamente  sem dizer uma só palavra. Mais tarde os funcionários do cemitério levaram o caixão, muito tristes e compenetrados, um deles até chorou; últimas lágrimas que o Hermenegildo viu cair, além das muitas que derramou em vida, apesar de muitas alegrias, pois a vida não é só sofrimento... Muitos alardeiam assim... Que fazer numa situação dessas?

Autoria= Gino Marson      21/02/2015        0:37

Um comentário:

  1. Que situação difícil, tantos amigos e nenhum no velório. Acho que a vida ficou muito virtual. Enfim... tempos modernos. Pelo menos um mendigo e os funcionários do cemitério. E precisa mais?

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