13 de agosto de 2017




                               SAGRADO

--- Pai, por favor! Pelo que é sagrado...Não vai...
Dizia a filha desesperada ao pai que não lhe dava ouvidos.
--- Sempre saio nas sextas. Faz muito tempo que caço nesses matos, pesco também. Sempre nas sextas, assim garanto a mistura para o sábado e domingo...
--- Mas hoje é sexta feira Santa, dia da morte dele, diferente dos dias comuns. --- Insistia a filha, quase suplicando. 
--- Morte de quem? Todo dia morre gente neste mundo! É só mais um final de semana. Vou e volto com uma boa caça e um pescado. Está calor, hoje as trairas estão nervosas, boas para fisgar. 
--- Pai! Pai! Me ouça! Não vai... Não faça isso... 
--- Boa noite filha. Vai dormir. De madrugada volto com o embornal cheio.
E foi assim. Entocou-se no mato, escafedeu-se por entre as sombras, as árvores pareciam falar, sombreavam e formavam figuras com o luar cobrindo suas frondes emaranhadas umas nas outras. Bonifácio  não era muito velho ainda, uma pele queimada pelo sol, magro, alto, todo dia trabalhava na labuta do carvão. Quase não tinha descanso. Era queimando a lenha e produzindo o carvão nas caieiras. Foi embrenhando-se  mato adentro, não levava receios. De repente parou, escutou um rugido, alguns barulhos, era o que esperava... Um bugio grande estava logo ali; em cima de uns galhos grossos da árvore. Olhou, dava uma boa mira, podia abatê-lo com facilidade. Apontou a arma. Era uma espingarda! Fez pontaria certa... Não atirou logo. Sentiu um arrepio, um tremor no corpo todo. Não era bugio, era bugia. Tirou seu filhinho de trás, estava esganchado nas suas costas. Mostrou e começou a chorar... Parecia pedir que Bonifácio não fizesse aquilo, não a matasse, tinha que criar seu filho, era ainda um bebê, muito novo, sozinho morreria de fome no mato... Bonifácio baixou a arma, pensou nos lamentos da filha, recuou, olhou bem, lembrou o aniversariante que morreu para dar testemunho de fé, automaticamente fez sinal da cruz, chorou também, ali mesmo. Num gesto só, único, daqueles que compreendem, lembrou da finada mulher, da filha que ficou em prantos, disse em voz alta no meio das árvores, na semi escuridão da noite de sexta feira Santa:
--- Nunca mais caço, não vou matar mais os animais indefesos... Essa porcaria de espingarda vou jogar fora. Estou livre da maldade!

Hoje e dia dos pais. Bonifácio, meu avo, era para mim e meus irmãos um segundo pai. Tão bom eram seus conselhos a nos pequeninos...

Autoria= Gino Marson      13/08/2017     00:35




Nenhum comentário:

Postar um comentário